14 de maio de 2015

3. A cidade

Já fui a mais de quinze cidades europeias, uma africana, muitas brasileiras. Há mais de oito meses deixei minha cidade grande, todo o trânsito e as ruas conhecidas para me perder pelas ladeiras do Porto. E foi me perdendo que me reconheci. Nunca o clichê havia feito sentido: me perder para me encontrar.
Eu acho que não tive um clique como você, eu cheguei e aos poucos fui me apaixonando pelo Porto, todos os dias uma descoberta, um caminho diferente, um café, uma casa com flores na janela que eu nunca havia reparado. E, agora, eu amo cada pequena coisa dessa cidade, todos os azulejos e a Ribeira e os parques, os cafés, a poesia, o comboio.
Essa cidade é tão minha. É tão eu. Por isso gosto tanto de sair com você pelas ruas da cidade Invicta. É como se eu te levasse para passear em mim também. Como se a cada rua que descobrisse comigo fosse uma parte de mim que sempre esteve aqui, mas eu nunca tinha mostrado a ninguém. É isso que eu mais quero, que eu seja teu destino preferido, porque, assim como o Porto me conquistou devagar, você me convidou para entrar na tua vida e eu não quero mais sair. Achei em ti o melhor dos lugares, o mais aconchegante, bonito e interessante. Eu achei em ti o meu lugar no mundo, onde eu quero viver, crescer, ser melhor e maior.
O Porto é a minha cidade que agora é nossa, como tudo na minha vida, que agora é tua também. Tenho certeza que ainda vamos descobrir e nos apaixonar por mil cidades. E que meu lugar sempre vai ser em você.
Obrigada pelos caminhos, pela companhia e por ser a minha sorte (e o meu lugar)
(tua) M.

10 de abril de 2015

2. O tempo

Acho engraçado pensar que há pouco mais de um mês você não fazia parte da minha vida. E que, agora, toda vez que você se encaixa nos meus braços, o tempo perde toda a importância cronológica, o tempo é algo que eu não consigo explicar desde que te conheci.
Já se passaram 39 dias, uma vida tão rápida e tão cheia. Depois do primeiro encontro já aconteceram tantos outros encontros (e eles continuam cada vez que nos descobrimos e nos aceitamos), já se passaram tantas noites e as manhãs que são melhores desde que eu passei a acordar ao teu lado, tantas pequenas descobertas, tanta confiança mútua, companheirismo, tantas músicas e todos os versos que falam daquilo que começamos a sentir. Mas ainda temos tanta vida pra viver juntas, tantos lugares que quero te levar, tantos textos que quero te escrever, tantas outras músicas que temos de ouvir, tantos sonhos que quero sonhar contigo. O tempo, esse incerto, o futuro que não ousamos tocar, não por enquanto.
Foi muita sorte nos encontrarmos, muitos acasos para ser exatamente como é, ou coincidências ou destino ou qualquer nome que você queira dar para as causas do nosso amor. (Porquê é amor, não pode ser outra coisa, é amor desde a primeira vez.)
Os dias passam rápidos, as noites lentas, às vezes o inverso, às vezes nem passam, muitas vezes, quando estou contigo, eles nem existem. Perco tudo, meu bem, as horas, a noção do tempo, a razão, só encontro você. Só encontro esse tempo que temos uma para outra, uma das coisas mais bonitas que se pode dar a uma pessoa (o tempo).
Obrigada pelo tempo, pelos dias ao teu lado e por ser a minha sorte.
(tua) M.

6 de abril de 2015

1. As palavras

A primavera chegou linda aqui no Porto, cheia daquelas florzinhas brancas na grama. Elas me lembram você. O que não é uma novidade: muita coisa me lembra você agora, desde aquele dia primeiro. 
As florzinhas me lembram você pela beleza inesperada. Tão pequenas nascendo assim no meio da grama, deixando tudo delicadamente mais bonito. Quando olho para elas me lembro da primavera. Quando olho para ti me lembro do amor. Tão pequena você, tão inesperada, deixando minha vida delicadamente mais bonita. 
Já te disse algumas vezes que você me deixa sem palavras. Não é bem sem palavras, mas sem reação imediata, como se a cada momento desse eu enfim descobrisse o amor. E, admirada, eu ficasse como uma criança diante da vida, encantada com a banalidade com que tratam tantos mistérios. E depois me vem uma enxurrada de frases e sorrisos e sensações, porque sou feita disso, de entrelinhas, e você parece ter uma aptidão inata em me ler.
Palavras! Elas sempre foram como um território sagrado para mim. Acho lindo que nosso amor se desenvolva nas letras, nos versos, nas vírgulas. Acho lindo o nosso combinado. Que não foi falado, apenas é. Isso de não nos privar das palavras. Acho ingenuamente lindo que eu possa te escrever cartas em dias que não posso te abraçar ou te mandar mensagens quando vejo uma coisa e me lembro de ti, que eu possa dizer o quanto eu gosto de estar ao teu lado enquanto beijo os teus olhinhos. Vão dizer que é perigoso, que é tolice demais. Mas acho lindo a forma que conseguimos enxergar poesia em tudo e não nos sufocar com a rotina e permanecer de mãos dadas mesmo quando nem estamos juntas. Quer dizer, juntas sempre estamos, você me ganhou como ninguém jamais tinha feito.
Obrigada pela beleza, pelas palavras e por ser a minha sorte.
(tua) M.

29 de março de 2015

Ensaio sobre ti

para Raísa
A poesia surge de ti. De todos os cantos escondidos do teu corpo, dessa tua pele sempre branca.
A tua pele sempre branca.
Tu é feita do quê?
Tem gente que é feito de mar. Impulsos, impetuosas ondas, o refluxo e a ressaca arrebatadora e apaixonante.
Tem gente que é feito de terra. A firmeza, a segurança, produtividade.
Mas tu, tu é céu imenso. É infinidade. Sem início nem fim. Tu é possibilidade. O dia todo te olhando, o dia todo, toda a calma do teu azul, toda a profundidade das tuas nuances. 
Tu é quase um convite. Tanto avião, balão, tanto pássaro alçando voo, escrevendo poesia nesse teu céu que é tua pele sempre branca. Que é imensidão.
Tu não tem fim, nem começo. Tu te deixa admirar ao mesmo que guarda tantos mistérios. Todos os caminhos não visíveis, as rotas aéreas certas e variáveis.
Tua poesia é aberta, arte moderna, voo livre. Tua poesia é pássaro voando no céu que é tu, que é tua pele sempre branca.

16 de março de 2015

Boneca nova

Há uma história acerca de Franz Kafka: um dia, no parque em que caminhava diariamente, encontrou uma pequena menina chorando. Ela havia perdido sua boneca. O escritor ajudou-a a procurar, sem sucesso. Combinou de se encontrar com a criança no dia seguinte, no mesmo horário e local. Ainda sem achar a boneca, Kafka escreveu uma carta à menina como se fosse sua boneca perdida. A carta dizia para que não se lamentasse, ela havia partido em busca de novas aventuras. Daí em diante, eles passaram a se encontrar todos os dias e cada dia havia uma nova carta relatando as aventuras da boneca. Até que um dia os encontros chegaram ao fim e Kafka entregou à pequena menina uma nova boneca, diferente da primeira, com um bilhete dizendo: minhas viagens me mudaram. Anos depois, a menina já crescida encontrou no interior da boneca uma outra carta. Em resumo dizia assim: "Tudo o que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará de uma forma diferente."

Uma pessoa querida e sábia me contou isso no inicio do mês passado. Fiquei confortada, mesmo sendo difícil começar a crer em um novo amor quase a partir do zero. Hoje sou grata ao que a vida se transformou. Hoje, se fosse pra te comparar seria com uma boneca nova. Não só pelo teu jeito, o teu tamanho, teus olhinhos lindos, a forma que você se encaixa nos meus braços. Mas pela surpresa da tua chegada. Pela minha teimosia em aceitar mudanças, em não querer enxergar as tantas possibilidades próprias dos recomeços. Você chegou numa caixa atrativa, eu nem liguei. Você chegou num dia qualquer, como são os presentes mais preciosos, eu nem percebi. Você se colocou no meu colo e eu me apaixonei.
Aos poucos, mas de uma maneira muito rápida, fui descobrindo teus tantos encantos, teu cantos, nosso jeito de nos encontrar. Cada pessoa é um mundo inteiro. Estou descobrindo tuas terras, teus rios, teus medos, essa felicidade que carrega dentro de ti. Não vou me cansar de andar. Ainda há tantas trincheiras que quero desvendar, todos os dias parece pouco. Parece pouco mas não é. Temos a sorte de estarmos em outro tempo. Dos nossos dias passarem depressa ao mesmo que somos preenchidos pela sensação de vida. Uma vida inteira em poucos meses. Você vem, andando de mansinho, entrando em mim de uma maneira tão bonita e delicada. Você está me salvando sem perceber. Dos meus próprios medos, dos limites que imponho a mim mesma. Você me faz querer ser melhor e, mesmo que nosso futuro seja incerto, que essa palavra nem exista para nós, já valeu a pena. Você é o amor que retornou de outra maneira e encheu meu coração de alegria, meus dias de sorrisos, minha vida de cumplicidade e carinho. Você é a minha boneca nova da história do Kafka, a minha sorte. Obrigada!

3 de fevereiro de 2015

Eu, inocente, achei que dias de desespero não iriam chegar. Eu, inocente, sempre pensei que as tristezas, aflições, incertezas e decepções não eram sentimentos de quem está realizando sonhos. Eu, inocente, vi o mundo expandir por dentro e por fora, vários mundos, a Terra, cada pessoa, cada parte de mim, tudo ao mesmo tempo. E senti que nem sempre isso é fácil, processos. 
Eu, inocente, esperava poesia, dias de sol e calmaria, palavras fáceis. A vida é sempre surpreendente. A poesia não veio de mim, o sol não dá as caras diariamente, a calmaria nem sempre é bem-vinda, as palavras estão cada vez mais difíceis. A vida anda cheia de reticências...


9 de janeiro de 2015

Nina

De primeiro, não parece. De primeiro, não se vê a alma enorme, os sonhos todos planejados. Precisão de bailarina, delicadeza também. De primeiro, não vê mulher, apenas uma menina. Mas ballet é sempre assim: a bailarininha rodando rodando na caixinha de música, parece tão frágil, uma esbarrada de criança e lá se foi o presente de aniversário da tia-avó despedaçado no chão. Só a música da caixinha ao fundo e a boneca sem os braços levantados em quinta posição. Mas se entra na academia, nos ensaios, nas horas incansáveis, os pés destruídos, as sapatilhas perdendo a inocência do cor-de-rosa, vê que a postura do palco é tão leve quanto rígida. Um fruto delicado do esforço. 
Tu é assim, Nina. De primeiro, é tão pequena, nem parece que cabe o mundo todo em ti. 

"Toda bailarina, pela vida vai levar, sua doce sina de dançar, dançar, dançar"