6 de maio de 2014

Ela faz cinema (ou poderia)

O mais difícil para os sentimentos humanos é a coexistência de duas (ou mais) paixões. Não digo amor. Digo a paixão imediata, arrebatadora, louca. Meus poemas não podem ter duas musas. Não posso ocupar -me dos detalhes encantadores, quase imperceptíveis, de duas aparências distintas. E me é impossível escolher um par de olhos para focar, pois sou incapaz de eleger o olhar mais profundo.
Se uma se reveste da aura própria dos inalcançáveis, se fica longe a ponto de nunca ser atingida, porém não tão distante que não se possa ver. Se tem o sorriso mais doce e malicioso ao mesmo tempo, que mexe com a minha cabeça, as mãos, o corpo inteiro que transpira na ânsia de lhe tocar. Se se faz assim tão mítica é por vaidade ou coisa qualquer sem importância, até sem intenção. É mesmo a musa dos apaixonados de Platão. 
Enquanto a outra é palavra fluida, intensa, lábios vermelhos e aquela ingenuidade. Não, não é ingênua, mas sim complexa por dentro da alma já formada. Apta e exemplar leitora da letras apressadas das mãos queimadas. Também não é próxima, mas estende a mão quando pode. Raramente pode. 
Não suporto duas musas, tão diferentes, iguais, fraternas entre si. Tão cheias do poder de encantamento sobre mim. E se tivesse de escolher? Desespero-me! E se tivesse de escolher? As duas não é uma opção. Nenhuma também não. Porém o que fere é uma para outra numa cumplicidade desleal. Enquanto isso, carrego meu coração fora do peito, porque dentro ele já deixou de caber. 

Ela é assim
Nunca será de ninguém
Porém eu não sei viver sem
E fim - Chico (Ela faz cinema)

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