27 de maio de 2013

Meus avós e o Fuhrer

Meu avô conheceu minha avó num piquenique. História de novela das 6, só que alemã. O mundo ainda era um lugar bom de se viver, eles garantem. Depois veio a Guerra e era quase um insulto o sol nascer todos os dias enquanto pessoas eram tratadas como ratos. Meus avós se casaram numa igreja que ficava numa aldeia perto da onde minha avó morava com a família. A igreja não tinha teto e a parede direita estava pela metade. Foram os soldados do Fuhrer. Ninguém concordava com aquilo, mas ninguém desobedecia. Bem, pelo menos ninguém que ainda estivesse vivo e livre. 
O meus avós não eram judeus, eram alemães católicos de cabelos castanhos, o que não fazia muita diferença. Viviam junto de famílias judias com medo e sem notícias dos que sumiram. Meu avô diz que eram como nomes proibidos, ninguém sabia onde estavam, mas tinham certeza que não era em um lugar bom.
Os dois conseguiram fugir para o Brasil num navio de carga que levava mais pessoas do que contêineres. A dor ainda dói. Eles sempre evitaram o assunto, mas quando eu era pequena e passava as férias em sua casa, na hora de dormir sempre ouvia os dois conversando. Falavam em alemão sobre as pessoas de lá, as que nunca tinham reaparecido e as que saíram dos campos de concentração tão perturbadas que sequer comiam ou dormiam. Muitas escreveram diários que meus avós guardam em um armário no quarto deles e releem em algumas noites sem sono. Todas elas contam de um sonho em que voltavam dos campos e ninguém acreditava ou dava ouvidos às experiências horríveis que viveram, por isso escreviam, com pressa de não esquecer (nem se lembrar). 

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