1 de abril de 2013

"Diz, quem é maior que o amor?"

Minha avó está morrendo. E sabe disso. Ela sonha com isso e chora. Acho que ela tem medo de morrer. Eu tenho medo de vê-la no caixão. Ninguém da minha idade pode imaginar como é viver esperando a morte. Ela disse que vai ser semana que vem. Mudei de emprego há pouco, não posso ficar faltando assim, vó. Espera. Chega nos 100! E ela nem vai conhecer meu namorado. Não morre, não, vó. Ela quase não lembra meu nome, só sabe que eu tenho uma irmã e fica dizendo que ela vai casar logo. Ela só não erra o nome da Maria Cândida e não esquece do dia que ela morreu nos seus braços. Do resto não faz mais questão. Tem dia que acusa todo mundo de ter pego suas coisas, é dinheiro que some, blusa de frio, remédio, creme, batom, sapato. Daí a tia acha numas caixas no fundo do armário ou debaixo do colchão. Cheguei lá um dia e a vó tava vestindo duas calcinhas, uma bermuda, um vestido e uma blusa por cima. Carne faz mal, feijão faz mal, salada faz mal. Não gosta de batata, frango, nem peixe. Só come banana e caqui e pera picadinha. Toma leite, vó. Ela gosta de ir pra 'nossa' chácara. Fica numa boa, nem dor na perna sente quando vai pra lá. Mas volta pra casa e manda ligar pro tio Zé de madrugada, fala pra ele que eu tô morrendo. Pede pra Lena vir pra cá com as meninas que eu vou morrer. Toma xarope, vó. Não quero. Na hora da inalação, já terminou? já terminou? Pega outro comprimido. A senhora já tomou.
Outros dias está tão alegre, brinca com as crianças e parece que vai chegar nos 150. Minha vó Carola está velhinha e seus olhos agora têm um choro fácil. As mãos não são tão firmes, mas continuam carinhosas, está tão frágil, tão vulnerável. Eu vou entender se a senhora quiser morrer, vó, mas vai tranquila, vai feliz. Morre feito passarinho, vai sorrindo, vó.

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