E foi quando tudo voltou a ser música. E tudo voltou a ter cor. E ela voltou a fotografar. Tirou um retrato da sua avó - porque pra avó fotografar era tirar retrato. Ela sentada ao piano tocando a música preferida das duas. Uma pena fotografia ser só imagem. Mas com certeza ela iria se lembrar da música e a foto ia ser tudo: imagem, som e lembranças. Ela tinha o mesmo nome da avó: Anna, assim com dois n. Nas tardes ensolaradas uma fazia companhia a outra, 16 e 80 anos, o que poderiam ter em comum além do nome? Não tinham mesmo. Enquanto uma aspirava um grande amor, a outra chorava a falta do companheiro. Uma escrevia suas primeiras poesias e a outra mal conseguia ler sem que as letras todas se embaralhassem e viessem lhe lembrar que a velhice havia, enfim, chegado. Mas quando sentavam ao piano, que ficava no canto perto da varanda, elas se encontravam nas notas e acordes e melodias e arranjos e a distância entre elas não mais existia. Esqueciam-se dos anos que a separavam, das realidades diferentes em que se descobriram. Diante do piano, eram crianças com dedos ágeis, sorriso no rosto e olhos curiosos. Na música preferida eram, apenas, Anna.
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